Errar é humano…

Cresci rodeada de livros e de um constante incitamento à leitura. Enquanto me tornava numa leitora compulsiva, fui também descobrindo o gosto da escrita. Estudei Jornalismo por convicção dos meus professores, mas quis a vida adulta — e as contas para pagar — que os meus dias fossem passados num escritório rodeada de objectivos comerciais.

Os hábitos de leitura permaneceram, os de escrita definharam. O meu português, achei que se mantinha quase impecável. Só quando decidi formar-me em Revisão de Textos reparei no quão encardido estava.

Nunca se separa o sujeito do predicado com uma vírgula. Óbvio!

Os bens imóveis não se alugam, arrendam-se. Claro!

O que se evacua são os espaços e não as pessoas. Toda a gente devia saber esta!

«Enquanto que» é um erro (1). Como assim?

Deparamos com coisas e não deparamo-nos com coisas (2). Desculpem?

A expressão «para além» está errada (3). Está?!

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… e às vezes é lixado!

Senti-me burra e muito envergonhada. Senti o enorme peso do desconhecimento dos erros que podia estar a cometer. Passei a ter muitas dúvidas, a questionar constantemente o meu português. Respirei fundo, pedi desculpas à croma que fora anos antes e prometi honrar a sua memória. Abracei a humildade, o carinho e o respeito de voltar a consultar dicionários, gramáticas e prontuários quase como se estivesse a aprender uma língua nova. Como é libertador olhar para cada palavra de forma inocente e curiosa e indagadora! 

Percebi que mais do que ter desaprendido, tinha sido contaminada por erros frequentes que hoje se encontram disseminados nos meios de comunicação social e até nos livros, ambos referências de bom português. Num dos exercícios de avaliação do meu curso, constatei a grandeza desta contaminação quando nenhum dos alunos sinalizou o erro «enquanto que».

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… e às vezes pode e deve ser evitado!

Nisto da palavra escrita há sempre alguma coisa que nos escapa. Não me refiro apenas a erros ou gralhas. Um revisor, além de um conhecimento profundo da gramática e da ortografia — e conhecimento não deve ser confundido com memória, um revisor quer-se um encantado e assíduo leitor de gramáticas, dicionários e prontuários —, tem uma capacidade de leitura e sugestão crítica que enriquecem o texto.

É por respeito e amor à língua e, principalmente, a quem nos lê, que devemos almejar a um texto livre de erros e contaminações. Sempre. Qualquer que seja o texto. 

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(1) Como explica Manuel Monteiro no Dicionário de Erros Frequentes da Língua: “A conjugação enquanto já tem um que intrínseco. […] «Enquanto» pode significar «ao passo que» e «ao mesmo tempo que». Acrescentar-lhe um «que» resultaria em «ao passo que que» e «ao mesmo tempo que que». Eu defendo a austeridade, enquanto que tu defendes a Grécia.”

(2) Consultando o Vocabulário – Regime Preposicional de Verbos de Carmen Nunes e Leonor Sardinha, lemos: «Deparar com (v. tr.) — encontrar inesperadamente ∙ À saída, o pai deparou com ele que entrava.»

(3) Voltando ao Dicionário de Erros Frequentes da Língua, “«Além» já tem incluso o significado de «para lá de» – «para além» equivale assim a «para para lá de»”.

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