Portinglês: Maneira de falar ou de escrever que mistura elementos vocabulares, fonéticos e sintácticos do português e do inglês. (1)

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Trabalhar numa área comercial permite desenvolver um extenso vocabulário de portinglês. E não, isto não é um elogio.

No meu CV, que entretanto traduzi para português, falava de customer journey e customer experience e nunca da jornada de cliente ou da experiência de cliente. Os momentos-chaves eram, na verdade, key moments e não existiam boas ou melhores práticas, mas sempre best practices. As reuniões de seguimento recebiam o pomposo nome de reuniões de follow up, já o seguimento em tempo real era definido por seguimento online. Os estudos comparativos de mercado eram resumidos a benchmarks e os boletins informativos a newsletters. E longe de mim escrever centros de contacto com o cliente, guiões, relatórios de desempenho ou distribuição telefónica quando o correcto seria contact centres, scripts, reports de performance ou telemarketing.

Há algo de terrivelmente errado na utilização destas palavras em inglês? Há. Consagramos o seu uso ao mesmo tempo que fazemos desaparecer as palavras em português. Talvez seja por influência do 1984, mas angustia-me a ideia de matar e de deixar morrer palavras. É praticamente inevitável a utilização de estrangeirismos no ambiente empresarial, admito. Se dissermos que vamos difundir as melhores práticas, ninguém nos percebe. Já a capitalização das best practices é inequívoca. É o hábito, claro está, e a legítima vontade de nos querermos fazer entender.  Já me pediram que numa apresentação substituísse «melhorámos o desempenho» por «optimizámos a performance» simplesmente porque soava melhor e transmitia de forma mais forte o que pretendíamos dizer.

Outro problema é o piloto automático. Numa pausa para café, estava a ler este artigo e a rir-me com os exemplos que reconhecia. Acabados o artigo e o café, sentei-me à secretária para responder a um correio electrónico profissional. Respondi e só alguns minutos depois tomei consciência do que tinha feito. A minha resposta continha: optimizar a performance, mix de produto, benchmark, welcome call, PoS (abreviatura de Point of Sale). Raios me partam!

Já fora do ambiente empresarial, redobro cuidados. Porque aí não corro o risco de soar menos profissional. Apenas passo por croma porque, por exemplo, me esforço por dizer correio electrónico em vez de e-mail e hiato em vez de gap. Também sou mais crítica, acho verdadeiramente tolo usar uma palavra em inglês quando temos, por vezes, dezenas de vocábulos equivalentes em português. Durante um simulacro de incêndio, ouvi uma mulher que me acompanhava na descida de dez andares pelas escadas dizer: «Ainda bem que estou de flats, é muito mais friendly». Porquê? Isto irritou-me profundamente (por irritação profunda entenda-se «emoji a revirar os olhos, a exclamação OMG e a pergunta WTF»).

Impeça-se o assassinato de palavras portuguesas. Vença-se esta ideia de que em inglês soa melhor. É uma ideia nada sexy sedutora.

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(1) “portinglês”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/portingl%C3%AAs [consultado em 17-05-2019].

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